KIKYTO AMARAL - uma biografia informal
Aos doze, já tinha certeza. Seria paixão pro resto da vida. Nasci no Rio de Janeiro, na rua ao lado da estação do Corcovado, com todos aqueles turistas, para cima e para baixo, tirando fotos. Suas máquinas registravam os enamorados, as famílias, turmas e, claro, os solitários. Os clics não paravam e aquilo me fascinava. Passava horas, observando da esquina de minha casa, toda aquela movimentação. Quando fecho os olhos, são estas as lembranças que permanecem. A fotografia entrou, assim, em minha vida. E ficou.
Aos 20 anos, cursava o segundo ano de arquitetura e ainda não tinha encontrado onde, nem como, me tornaria um fotógrafo profissional. O que existia eram pequenos cursos, coisas caseiras, não profissionalizantes. Sabia que não era este o caminho. E não sabia por onde começar, na trilha certa
Um dia, cheguei tarde à praia. Conversava com amigos, quando um rapaz se aproximou dizendo ser produtor de filmes comerciais. Convidou-me para um casting, explicando, rapidamente, como funcionaria. Fui até a produtora, fiz os testes. Deu tudo certo. Partimos, quatro dias depois, para Angra dos Reis, com uma enorme equipe de produção. O fotógrafo, era um francês muito simpático. Após quatro dias de filmagens, afirmou que eu deveria pensar em ser fotógrafo, já que me notara apaixonado pela câmera usada no set, uma belíssima Arriflex. As filmagens se estenderam por mais uma semana, tempo suficiente para descobrir o caminho das pedras. Foi quando ouvi: "você pode trabalhar como assistente de fotógrafo ou aproveitar essa oportunidade de modelo, para ver profissionais atuando, com diferentes técnicas, equipamentos, equipes, estilos de fotografia. Cada um com suas verdades, com seus conceitos".
Seis meses depois, cheguei a Milão, entusiasmado com as perspectivas que se abriram. O ano era 1976. Comecei rápido a trabalhar, cada dia em um estúdio, O tempo passava depressa e já me sentia parte daquele mundo. Estudava muito, lia muito. Já conseguia "sentir a luz", já conseguia iluminar.
Assim nasceu meu fascínio por esta energia radiante, a luz, base total da forma.
Decorridos mais de 40 anos, chega ao studio, para ser fotografado a convite de Perla Nahum, o italiano Nicola Maimone Baronello, braço direito de Giorgio Armani, há décadas. Com ele, voltei aos tempos da primeira campanha da marca, para revistas, quando, ainda modelo, fui clicado pelo legendário fotógrafo Aldo Falai.
Em meados de 1979, em Madrid, passei a me dedicar aos estudos da composição e da forma. Não cansava de analisar Velásquez, Hieronymus Bosch, Brueghel, Rafael, tantos outros, todos grandes mestres da construção da forma. Rubens, mestre dos mestres, sempre me exigia mais.
De volta a Milão, fui tomado por outra paixão - o preto e branco. O desafio do monocromático, complexo, em sua vastíssima gama de tonalidades, tornou-se prazer e busca incessante.
Do mundo hippie lisérgico ao punkrock, muitas águas já tinham rolado. Havia uma riqueza grandiosa de acontecimentos, o mundo se agitava, clamava e reclamava. Do underground, saltavam figuras de todas as áreas, contestando e inovando. E o planeta se reciclava.
Em Paris, tomando um café, recebo em mãos o journal Egoiste, onde era possível ver Hemult Newton, Richard Avedon e Guy Bourdin atuarem livres dos enquadramentos editoriais mais convencionais. Os grandes nomes do jornalismo e da literatura se mesclavam. Um requinte editorial. Naquele momento, decidi que deveria iniciar o projeto “ 3 x 4 : P x B ”.
Voltando para o Brasil, montei o Studio Z, na rua Oscar Freire e comecei a produzir. Com luz de lambe-lambe, montada no estúdio, fotografei durante 8 meses pessoas de diversas áreas; famosos, não famosos, artistas, transeuntes, dondocas, acadêmicos, políticos, muita gente.
Na Galeria Mônica Filgueiras, em 1981, foram expostas mais de seiscentas fotos desses retratos. Um trabalho instigante que deixou muitas saudades. Em 1984, com Susana Sassoun, montamos a exposição “Fotos de Arquivos”, com tiragens controladas de fotos assinadas.
No ano seguinte, meu irmão Reinaldo Amaral na direção da Ópera "Amapola", me convidou para dirigir a iluminação do espetáculo. Nobre envolvimento. Acabei ficando por lá, um bom período. A fotografia digital se tornava uma realidade, não só para os amadores, mas também para o mundo profissional. Até aquele momento, minhas experiências na área digital aconteceram, através da direção de curtas ou comerciais publicitários. Mas, quando se tratava de still life, o estudo e a migração do PxB para digital não era uma tarefa fácil. A meu favor, uma única vantagem: o conhecimento dos fundamentos fotográficos, como ponte de acesso rápido entre o negativo e o arquivo. Todos imprescindivelmente mantidos.
Quando em 2002, elaborarei a "Série Azul", não imaginava que, em 2008, treze fotos dessa série entrariam para o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Essa honra faz com que eu siga alimentando, constantemente, a "Série Azul", enquanto caminho rumo a novos desafios. Um deles, é a exposição "As 1000 Faces", programada para 2020.
Kikyto